segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Uma instituição cultural chamada frevo

História

Inês Calado
Do JC OnLine

Pernambuco orgulha-se de ter uma música e uma dança que nenhuma terra tem, nascida espontaneamente no meio do povo, ou melhor, criada pelo próprio povo. O historiador Valdemar de Oliveira, em seu Frevo, capoeira e passo, vai além. Ele diz que o frevo surgiu na verdade no Recife, nascido no meio do Carnaval, no fim do século 19. Ninguém sabe afirmar quem veio primeiro, a música ou o passo. Na verdade, eles evoluíram juntos, um inspirando o outro, e completaram-se. "O frevo foi invenção dos compositores de música ligeira, feita para o Carnaval, enquanto o passo brotou mesmo do povo, sem regra nem mestre, como por geração espontânea."

A palavra frevo foi publicada pela primeira vez no dia 9 de fevereiro de 1907, no extinto Jornal Pequeno. A nota, uma descoberta do pesquisador Evandro Rabello, citava um ensaio do clube Empalhadores do Feitosa, do bairro do Hipódromo, no Recife. Um das músicas do repertório chamava-se O Frevo. Mas a palavra é uma expressão popular mais antiga e vem de ferver e, por corruptela, frever, sinônimo de festa quente, animada. Dizem que quem lançou o vocábulo foi o escritor Osvaldo de Almeida (pseudônimos Paulo Tadeu e Pierrot).

A marcha pernambucana, como foi inicialmente chamada, nasceu do dobrado entoado pelas bandas militares. O artista multicultural Antônio Carlos Nóbrega afirma que "a decorrência do dobrado para a marcha pernambucana foi uma singularidade nossa. Em nenhum lugar do Brasil a marcha dobrado desaguou no frevo". As bandas das corporações militares acompanhavam as agremiações carnavalescas e os clubes pedestres, que posteriormente foram chamados clubes de rua. À frente das agremiações, estava a figura do brabo, adestrado pelos capoeiras que, ao longo do tempo, foram desenvolvendo com o ritmo das marchas os passos do frevo.

"Para acompanhar o passo do capoeira, o regente da banda começou a acelerar a batida, tornando a música mais 'remexenta'. A caixa do frevo é como se fosse um dobrado com mais molho, com mais firulas", define Antônio Carlos. Embora a execução da capoeira fosse proibida no País, em Pernambuco havia certa vista grossa e, talvez por esse motivo, o passo e a música tenham tomado corpo nos Carnavais do Recife. A diferença, aponta o jornalista Rui Duarte (História Social do Frevo), é que enquanto as ordens foram obedecidas no Rio, que adotou um Carnaval Europeu, no Recife a proibição foi driblada com a fundação de clubes carnavalescos. O fato é que por volta de 1905, a marcha pernambucana, depois chamada de marcha-frevo, evoluiu para o que conhecemos hoje como frevo-de-rua.

Muitas vezes, para acompanhar a música tocada pelas orquestras militares, o povo (mais uma vez o povo) criava letras. Havia um dobrado clássico, que era o dobrado da banha cheirosa (Quem quiser comprar banha cheirosa, vá na casa do Mestre Barbosa, banha de cheiro para o cabelo, banha cheirosa pra vida inteira). As sociedades carnavalescas como Vassourinhas começaram a compor suas marchas de rua com letras. Surgia então o frevo-canção, que possui a mesma estrutura do frevo-de-rua. Compositores como Capiba e Nelson Ferreira criaram belíssimas composições do gênero.

Os blocos surgiram a partir de 1915: Apois fum!, Bloco das Flores, Batutas da Boa Vista (1920), Madeiras do Rosarinho e Inocentes do Rosarinho (ambos em 1926) e Batutas de São José (1932). Alguns deles criados por Felinto e Raul Moraes. Segundo Valdermar de Oliveira, a origem dos blocos se liga à rapaziada que gostava de fazer serenatas e vinha também às ruas em dias de carnaval (sic). Eram criados então os frevos-de-bloco, sem nenhum metal, conduzidos por instrumentos de pau e corda. Os blocos são influenciados - inclusive com sua dança que em nada lembra o passo do frevo - pelos pastoris.

Seja na "ferveção" do frevo-de-rua, seja nas belas composições do frevo-canção ou na nostalgia do frevo-de-bloco, a instituição frevo, como bem definiu Antônio Carlos Nóbrega, ainda tem fôlego para celebrar outros centenários. Foi e continuará sendo uma música exclusivamente pernambucana. Porém essa mistura "que entra na cabeça, depois toma o corpo e acaba no pé" têm fôlego para tomar outros ares e embriagar foliões de todo o mundo.

Tipos de Frevo

Frevo-de-rua
Foi o primeiro gênero que surgiu, identificado apenas como frevo, ritmo que veio dos dobrados das marchas militares que entoavam os carnavais pernambucanos. Nasceu quando saíam no período momesco os clubes pedestres, depois chamados clubes de rua. Diferencia-se dos outros pela ausência completa de letra, pois é feito unicamente para ser dançado.

Ainda pode ser dividido em três tipos: o frevo-abafo ou de encontro, no qual predominam os instrumentos metálicos, principalmente pistões e trombones. Levou esse nome porque geralmente é tocado quando uma troça ou agremiação quer "abafar" qualquer outra que esteja passando na rua. O frevo-coqueiro tem notas altas e agudas. Já o frevo-ventania é o mais suave dos três, tranqüilo, constituído pela introdução de semicolcheias.

São Frevos-de-rua famosos o Vassourinhas de Matias da Rocha e Joana Batista, Último dia de Levino Ferreira, Trinca do 21 de Mexicano, Menino Bom de Eucário Barbosa, Corisco de Lourival Oliveira, Porta-bandeira de Guedes Peixoto, entre outros.

Frevo-canção
É originário do frevo-de-rua, que passou a incorporar melodias à sua música, como a Marcha n° 1 do Vassourinhas, presente no Carnaval dos clubes e nas ruas. O frevo-canção ou marcha-canção tem vários aspectos semelhantes à marchinha carioca. Ambas possuem uma parte introdutória e outra cantada, começando ou acabando com estrebilhos. Mas logo lhe foram acrescentados elementos de frevo, como a marcação do surdo e o tarol.

São frevos-canção famosos: Borboleta não é ave de Nelson Ferreira, Cala a boca menino de Capiba, Hino de Pitombeira de Alex Caldas, Hino de Elefante de Clídio Nigro e Meu vestibular de Gildo Moreno.

Frevo-de-bloco
O frevo-de-bloco surgiu a partir de 1915, com os rapazes que faziam serenatas e, na época carnavalesca, também saíam nas ruas. Acabaram por organizar-se famílias inteiras, pais com suas filhas, maridos com suas esposas, namorados e namoradas, todos pertencentes à classe média recifense.

Sua orquestra é composta de pau e corda: violões, banjos, cavaquinhos. Nas últimas décadas, foram introduzidos clarinetes, seguidos do coral de mulheres. Sua música e dança têm traços fortes dos pastoris.

Os primeiros blocos surgiram com Felinto Moraes e Raul Moraes e outros carnavalescos: Apois fum!, Bloco das Flores, Batutas da Boa Vista (1920), Madeiras do Rosarinho e Inocentes do Rosarinho (ambos em 1926) e Batutas de São José (1932).

Frevos-de-bloco famosos: Valores do Passado de Edgard Moraes, Marcha da Folia de Raul Moraes, Relembrando o Passado de João Santiago, Saudade dos Irmãos Valença, Evocação n° 1 de Nelson Ferreira e Último regresso de Getúlio Cavalcanti.

Artistas

A eles, os aplausos!

Pernambuco comemorou em 2007 cem anos de frevo. Muitos nomes participaram da trajetória desta incrível simbiose de música e dança, indiscutivelmente nascida, cultivada, celebrada em nossos carnavais. O JC OnLine estréia esta seção com alguns depoimentos em vídeo e promete "frever" com outras histórias. Aguardem!

Capiba
Suas composições tornaram-se célebres: Cala a boca menino, Madeira que cupim não rói e Oh! Bela, frevos imortalizados no Carnaval pernambucano, são apenas algumas delas. Lourenço da Fonseca Barbosa, o Capiba, nascido em Surubim em 1904, viveu e respirou música desde a infância. Seu primeiro grande sucesso nacional foi a canção Maria Betânia, gravada por Nelson Gonçalves, em 1945. Seus frevos-canção tornaram-se mais conhecidos no final da década de 50, com o lançamento pela gravadora Rozenblit, do LP Capiba 25 Anos de Frevo, interpretados por Claudionor Germano. Capiba faleceu em 1997, mas estima-se que ainda existam centenas de composições inéditas.

Edgard Moraes
Um dos únicos grandes nomes do frevo que nasceu no Recife, em 1904, Edgard Moraes criou, dirigiu e participou de diversos blocos - Pirilampos, Príncipe dos Príncipes, Lobos de Afogados, Um Dia de Carnaval, Camponeses em Folia, Rebeldes Imperial, Corações Futuristas, Turunas de São José, Batutas de São José, Galo Misterioso e Madeira do Rosarinho. Faleceu em 1973, poucas semanas depois do primeiro desfile do Bloco da Saudade, idealizado por ele na marcha Valores do Passado (composta em 1962), uma belíssima homenagem a 24 extintos do Carnaval do Recife.

Nelson Ferreira
Considerado um dos mais importantes compositores da Música Popular Brasileira, Nelson Heráclito Alves Ferreira é natural de Bonito, Agreste do Estado. Nascido em 1902, iniciou sua vasta obra aos 14 anos quando compôs
Vitória. Sua primeira composição gravada foi Borboleta não é ave, na década de 20. Sua marca está no catálogo da extinta Rozenblit, da qual foi, durante anos, diretor artístico. Suas evocações foram notáveis. A primeira delas, intitulada simplesmente Evocação, de 1957, foi sucesso nacional, sendo a música mais tocada no carnaval carioca da época.

Maestro Duda
José Ursicino da Silva, mais conhecido como maestro Duda, nasceu em Goiana, Interior de Pernambuco, em 23 de dezembro de 1935. Aos oito anos começou a estudar música, aos dez já era integrante da banda Saboeira e logo escrevia sua primeira composição, o frevo Furacão. Hoje é um dos maiores regentes, compositores, arranjadores e intrumentista do Estado. Formou várias bandas de frevo, muitas eleitas nos carnavais como as melhores do ano. Num concurso promovido pela Globo, Shell e Associação Brasileira de Produtores de Discos recebeu o prêmio de melhor arranjo de música popular brasileira (1980).

Maestro José Menezes
Natural de Nazaré da Mata, Interior do Estado, José Xavier de Menezes, 83 anos, é bacharel em direito, mas sua maior contribuição não foi na área jurídica. Menezes ficou conhecido mesmo foi como instrumentista, arranjador, compositor e regente de frevos. Sua obra encontra-se preservada em 118 gravações, entre 1949 e 1997, na sua maioria frevos-de-rua, canção e de bloco. No ano 2000, foi o homenageado do Carnaval do Recife, em comemoração aos 50 anos de sua primeira composição de sucesso, o frevo Freio a óleo.

Maestro Nunes

No município de Vicência nasceu José Nunes de Souza, o maestro Nunes, em 1931. Bem cedo, aos 9 anos, já tocava em bandas de cidades do Interior. Em 1950 veio para o Recife, onde integrou diversas bandas, como a Banda Manoel Óleo, União Operária da Macaxeira e Banda do Liceu de Artes e Ofícios. Também participou da Banda do Cassino Americano e da Banda da Cidade do Recife. Nunes aperfeiçoou o dom de criança formando-se em música na Universidade Federal de Pernambuco e regência na Faculdade de Filosofia do Recife. No ano do centenário do frevo, será o grande homenageado do Carnaval do Recife.

Maestro Spok
O "caçula" da turma de grandes maestros de frevo pernambucanos nasceu em Igarassu, mas logo cedo mudou-se para Abreu e Lima, onde teve o primeiro contato com a música através do professor Policarpo Lira Filho (Maninho). Inaldo Cavalcante de Albuquerque mudou-se para o Recife na década de 80 e passou a trabalhar com maestros como Ademir Araújo, Clóvis Pereira e Guedes Peixoto. O maestro Spok, hoje com 36 anos,incorporou com grande dimensão o improviso, adicionando às composições originais de frevo novos arranjos.

Antônio Carlos Nóbrega
Quem conhece Antônio Carlos Nóbrega no palco não imagina que ele tem 54 anos, muitos deles dedicados à divulgação da cultura pernambucana. Nóbrega nasceu no Recife e começou a se "musicalizar" aos 10 anos de idade, quando entrou na Escola de Belas Artes. Conheceu o frevo, como também outras manifestações populares, a partir de seu encontro com Ariano Suassuna no Quinteto Armorial. Mas o encanto com o frevo, gênero que chama de instituição cultural, aconteceu através de sua dança. Há quatro anos, Nóbrega realiza o Arrastão do Frevo no dia 9 de fevereiro. Em 2006 presenteou o público com o espetáculo Nove de Frevereiro, todo dedicado ao gênero musical.

Claudionor Germano.
O cantor Claudionor Germano nasceu no Recife e foi escolhido pelos compositores Capiba e Nelson Ferreira como principal intérprete de suas músicas. Com vários discos gravados, é hoje o mais respeitado cantor de frevo do Estado. Em 2006 foi o homenageado, ao lado de Ariano Suassuna, do Carnaval do Recife.

4 comentários:

Anônimo disse...

Em 2008 eu só quero frevo e Olinda, Olinda e frevo...

Anônimo disse...

Mari, O carnaval já tá chegando!!!!!!!!!!
frevo na veia
Bjs

Anônimo disse...

Mari,
O carnaval já tá chegando!!!!!!!!!!
è frevo na veia..
Bjs!

Anônimo disse...

O fervo está em ano de comemoração, são 100 anos de tradição dessa alegre dança em nossa cultura, e sem dúvida merece ser exaltado.